Josefina Canta

Inspirada no conto “Josefina, a Cantora”, de Franz kafka, joga luz sobre a construção do discurso totalitário, representado na figura de Josefina, uma cantora idolatrada pelo povo, mas cujo canto não passa de um chiado agudo e desprovido de qualquer talento ou sentimento. Kafka criou essa alegoria para retratar o crescimento do discurso nazista, considerando que o conto fora escrito no período pós Primeira Grande Guerra. Na peça, nossa cantora se mostra envelhecida e sem forças, mas disposta a tudo para renovar o seu “canto”. Para isso, recebe a ajuda de sua criada Tereza (o povo) e de Gutenberg, uma figura midiática (a imprensa, a mídia). Com eles, ela consegue restabelecer o seu “canto”, mostrando-se ainda mais reacionária e ditatorial do que nunca.

A peça foi um grande sucesso de público e recebeu diversas críticas muito positivas, o que nos impeliu a seguir com a trilogia inspirada nas obras do autor. O título da trilogia foi pinçado da crítica escrita por Welington Andrade para a Revista Cult, em que ele faz uma minuciosa análise da peça. Esse título vem ao encontro dos objetivos da trilogia, que se utiliza da pesquisa sobre a irreparável obra do autor como premissa, para então discutir os absurdos do atual momento político e social que vivemos. A ótima repercussão da peça “Josefina Canta” mostra que o caminho escolhido faz sentido. As contradições apontadas por Kafka em suas obras mostram-se muito atuais e revelam que a história se repete: não apenas não aprendemos com o passado de guerras e decadência social em virtude do totalitarismo, como passamos a reproduzi-lo de modo ainda mais cruel, pois agora o inimigo não se configura em um único ser, mas em uma sociedade inteira que repete o discurso do ódio e da intolerância como uma alternativa possível. A violência que desumaniza e espalha suas raízes nas escolas e instituições políticas cresce exponencialmente. É a guerra de todos contra todos. A continuidade da pesquisa sobre a obra de Kafka mostra-se acertada, uma vez que as alegorias criadas pelo autor são atemporais. Vale aqui apontar algumas das críticas feitas à peça “Josefina Canta”:

(…) o texto de Elzemann Neves possui uma força incontestável, calcada na conversão da angústia kafkiana frente a um mundo sem sentido em perplexidade diante de um país em que a insensatez e o irracionalismo grassam diariamente como ocorrências sistêmicas, conjunturais, epidêmicas... Tal força, então, contamina de forma muito positiva todo o projeto da encenação, assinada também por Elzemann. Direção, interpretação, cenários, figurinos e iluminação, assim, concorrem para materializar a teatralidade que é tão latente na obra de Kafka, traduzida ora por um expressionismo lúgubre e algo mortificador, ora pela importância que o corpo humano assume nas narrativas (transformando-se, muitas vezes, no tema principal das próprias ações vividas pelos personagens), ora ainda pelas tintas da viva dramaticidade com que o escritor construía suas histórias, mesmo que delas, paradoxalmente, emanem certos efeitos muito modernos de distanciamento crítico.

Welington Andrade, Revista Cult (25/03/2015)

(...) em livre adaptação para o palco, Elzemann Neves circunscreve a problemática desta relação em uma reelaboração mais amarga, localizando a história de Josefina em um momento específico, em que a artista perdeu prestígio. (...) Acentua-se nas diversas trajetórias que a peça propõe traçar, entre literatura e dramaturgia –ou mesmo entre o início do século 20 e o do século 21–, a intenção de forjar um temperamento cínico. Potencializado pela encenação, o pessimismo de Kafka revela a fragilidade do papel do artista em uma luta inglória para existir.

Gustavo Fiorati, Folha de São Paulo (27/02/2015)




Ficha Técnica “Josefina Canta”

Direção e Dramaturgia: Elzemann Neves 

Preparação de elenco: Alexandra DaMatta

Elenco: Inês Aranha

              Bia Toledo

              Germano Melo

Iluminação: Carmine D'Amore

Assistente de Iluminação: Cecilia Lüzs

Cenário e Figurino: Chris Aizner

Trilha Sonora: Fernanda Maia e Bibi Cavalcante

Designer Gráfico: Adriana Alves